Guerra nuclear em Brasília?

Renato Prado Guimarães

Outubro de 1962. Mísseis soviéticos em Cuba, bloqueio naval americano. Kennedy ameaça, Krutchev negaceia e insiste, também ameaçando. Belonaves russas se aproximam da ilha, desafiando o bloqueio. Brasília, indiferente, curtindo ainda sua estreia recente como Capital e tratando de si mesma – narcísica. Por alguma razão, com a qual não consigo hoje atinar, nem ainda diplomata àquela altura, fiquei preocupado - disseram na ocasião que obsessiva e maçantemente preocupado -, ante os riscos de guerra, nuclear, envolvidos na crise. Não saía da frente dos teletipos, atento aos despachos das agências.

Uma manhã, de folga em casa, ansioso e impaciente, telefono de hora em hora para saber se não chegou nenhuma notícia. À terceira chamada, um colega me diz, dramático: “Você tinha razão em se preocupar! Aconteceu! Um cruzador russo tentou passar e foi afundado. Há emergência nuclear nos EUA e na Europa”.

Não fiz por menos: 

- Vou para aí, quero ler o despacho.

Fui e encontrei o despacho, já recortado do rolo do teletipo, datado de Washington, no formato gráfico de praxe e na linguagem lacônica, sem rebuços, das agências na época. Em três linhas dizia tudo: o temido ocorrera, a guerra temida parecia inevitável.

Voltei para casa cabisbaixo, pensando em ligar para minha família em São Paulo. Não tive tempo.  Mal cheguei à SQS 208, outro colega me telefona para perguntar se eu já sabia da notícia, que ele acabara de ouvir numa rádio da Capital: ”Você tinha razão, eu não achava que isso pudesse acontecer”. Minutos depois, outra chamada, de terceiro colega, do mesmo surpreso e amedrontado teor. 

Instantes após me chama, porém, o primeiro colega, o que me dera a notícia, muito apologético: 

“Desculpa, vi que você ficou realmente abalado e quero te tranqüilizar. Foi só uma brincadeira minha. Você estava tão chato que achei que a merecia. Eu próprio bati o despacho no teletipo”.

Xinguei à beça o amigo, repudiando a brincadeira de péssimo gosto. Mas desliguei o telefone aliviado. 

Sentimento fugaz, contudo: logo me lembrei das chamadas dos outros amigos, mencionando que haviam sabido da mesma notícia de outras fontes, no rádio. Como podia, se a notícia não era verdadeira? Ou era?

Em resumo: o colega brincalhão, ao bater o fictício despacho no teletipo, supostamente off line, havia espalhado a notícia por diversos terminais de rádios e jornais de Brasília. Por mim alertado, e quase em pânico, o autor da brincadeira chamou todo mundo de imediato, tornando a notícia sem efeito, apagando o conflito. Era pessoa muito querida e respeitada, e na Brasília pequena da época, em que todos se conheciam e eram amigos, foi possível em minutos desmanchar a guerra, restabelecer a paz modorrenta da nova Capital. 

 

Não houve mortos ou feridos. Só um outro amigo me falou do mal-estar passageiro de uma senhora, em sua loja, ao ouvir pelo rádio o anúncio do virtual início da  guerra provavelmente definitiva, terminal.