Guimarães, nome alemão; Bach brasileiro

Renato Prado Guimarães

No “Solo de Clarineta”, Érico Veríssimo fala de sua surpresa ao descobrir, de passagem por Guimarães, que esse nome é de origem germânica.  Senti-me pessoalmente afetado pela inesperada coincidência. Afinal, que nome mais genuinamente português do que Guimarães, vinculado à Cidade-berço da nacionalidade lusitana?

Como o próprio Veríssimo recorda, contudo, boa parte das palavras que começam por gu, em português e outras línguas latinas, vêm do w do antigo germânico (guarda: warte; Guilherme: Wilhelm); com o tempo, também me lembrei que o patronímico de Guimarães é ”vimaranense”. Por algum mecanismo fonético  similar, pensei ainda, tantos hispano-americanos pronunciam gWashington a Capital dos EUA. Em casa de advogado de Frankfurt, vi, por outro lado, numa velha gravura de Colônia, a área em que se insere, Westfalia, grafada Guestphalia.

Em missão à Alemanha, nos anos 77/78, consultei a respeito os tradutores de nossa Embaixada em Bonn. Eles descobriram que na Alemanha há um toponímico equivalente e igualmente ilustre: a encantadora Weimar de Goethe e Schiller, da aurora do Bauhaus e da bem-intencionada e fugaz República. As duas cidades nasceram na mesma época (na virada do primeiro milênio). A palavra germânica seria composta de wei, junto a, próximo de, talvez o bei do alemão moderno, e mar, brejo, pântano (essa raiz germânica poderia ter originado o marsch do alemão atual, o marsh do inglês, o marais do francês, e, no português, por via do francês, o “marasmo”!). Outra versão possível para Weimar: weiter, grande, extenso, e moor, lamaçal, banhado.

Meu pai não se conformou com aquelas depreciativas fontes pantanosas e saiu em busca de origem mais condigna para o nome familiar. Não sei onde, encontrou que Guimarães viera, sim, do alemão – e possivelmente de Weimar -, mas teria significado mais nobre: o gui se originaria de wihr=wehr=guerra, defesa, fortificação, e o marães de mahrs=égua. No total, égua de guerra!  

Essa etimologia eqüina e bélica se manteve por pouco tempo oficial na família - até que eu me lembrasse de que a equivalência a Weimar nos aproximava, os Guimarães, ao nome de  uma raça de cachorros, os weimaraner, conhecida por seu pelo cinza-prateado e seus melancólicos olhos de cor âmbar.  Meu pai passou a negar todo laço zoológico com a família - equino ou canino -, e não voltou mais ao assunto.

 Há pouco tempo, encantado com a riqueza e a qualidade do Houaiss eletrônico, fui ver como definia vimaranense. Encontrei o sabido, que o vocábulo se refere a Guimarães ou ao que é seu natural ou habitante. Já na etimologia aparece como toponímico  de Guimarães, do germânico - pelo gótico weig, luta, ou weihs, santo, e mahrs, cavalo -, “documentado como Vimara, ou Guimara, cavaleiro combatente”. Primeira datação histórica no ano 922 (justamente quando as duas cidades estavam nascendo!).

À luz esclarecedora do Houaiss, a versão equina de meu pai parece impor-se, embora no masculino  e humanizada - domada pelo ginete. Resta agora saber se meus xarás de sobrenome preferirão o cavalo ou o cavaleiro, o santo ou o guerreiro.  Entre a cruz e a espada, eu prefiro o weimaraner.

A loja de lembranças da bela e famosa Biblioteca Ana Amália, em Weimar, vende uma série de bonitos marcadores de páginas inspirada em personalidades ilustres da cidade: a própria Grã-Duquesa Ana Amália, Goethe, Schiller, Lizt e também, para minha surpresa, “der Weimaraner”. No topo do marcador respectivo, bela imagem, recortada, da cabeça do fidalgo cachorro.  No texto,  a explicação de que o animal foi desenvolvido no Século XVIII para o Grão-Duque Carlos Augusto (o grande mecenas de Goethe) e a corte de Weimar, mediante sucessivos cruzamentos de cães “bloodhound” e de caça.  Ali também se assinala que o nome foi usado pela primeira vez em fins do Século 19, mas ao pé do marcador aparece uma citação muito anterior, de Goethe, de qualificação  que o poeta aplicara a si próprio e aos moradores de Weimar, na época uma espécie de Atenas cultural do mundo germânico: “Ich bin ein Weltbewohner, bin Weimaraner”. Em outras palavras: “Eu sou um cidadão do mundo, sou weimaraner”. Estranho, esse Goethe Weimaraner, Goethe Guimarães...    

Como consolo para os que não  apreciem aquela inesperada afinidade canina, vale assinalar que Weimar e Guimarães são associações extremamente honrosas para o nome familiar. Weimar tem um passado brilhante e é cidade muito querida e admirada na Alemanha, um destino cultural e turístico de grande relevo. Guimarães não fica atrás, singular em Portugal pela importância nas origens nacionais, por sua densidade histórica, quase palpável, e uma admirável consistência urbana e arquitetônica - uma cidade genuína e autêntica, com caráter. Weimar e Guimarães poderiam ser visitas agradáveis e inspiradoras para os Guimarães brasileiros em viagem à Europa – uma peregrinação etimológica a que poucos sobrenomes darão direito.  

O Cônsul português em Frankfurt surpreendeu-se quando lhe falei a respeito das origens alemãs de Guimarães. E lamentou: havia apenas dois anos patrocinara uma “geminação” na Alemanha da cidade portuguesa, não com a contemporânea de nascença, histórica e milenar, mas sim com uma postiça Kaiserslautern, na Renânia-Palatinado.

 
Em tempoIsso do Goethe Guimarães me lembra de interessante causo tedesco-bachiano. Tanto se falou na Europa da proximidade entre nosso chorinho e Bach, bem como das Bachianas de Villa-Lobos e das Bachianinhas de feitio popular, que os portugueses lançaram livro de gozação séria com especulações em torno do tema "Was Bach Brazilian?". Para os que disso duvidem, guardei exemplar da edição de Lisboa. Sei que está em minhas tumultuadas estantes; só falta encontrá-lo! 
 
Mas nem fará falta! A valiosa obra está à venda na Amazon!, a original e outra já em edição traduzida para o castellano,  esta com os subtítulos  "El Crío de la Pandereta" e "El Inventor del Baião". Custa R$40,00!, a edição em espanhol, e R$325,00! a portuguesa, cujos subtítulos são também pertinentes: "O  Puto do Adufe", "O Inventor do Baião"! Pandereta? Pelo que sugere  meu modesto "Santillana para Estudantes", parece ser meramente um pandeiro menor. 
 
Em tempo 2A título de esclarecimento sobre a obra, a Amazon embarca na gozação com este texto esclarecedor: 
 
"Was Bach Brazilian?" es la versión moderna de lo que se consiguió rescatar del dossier "WELSHAB MIT ZIEMLICHER SICHERHEIT ANGENOMMEN WIRD, DAS JOHANN SEBASTIAN BACH IN BRASILIAN ZUR WELT GEKOMMEN SEY" (Donde se supone  y casi se concluye que Johann Sebastián Bach nació en el Brasil), de Theophylus Augustus von Saarbrucken y Sir Elgar Didley, que empezó a elaborarse en 1829 y que, por lo que sabemos, nunca fue concluído.
Es también la fuente de discusiones que vienen a acrecentar e incluso a contradecir el dossier original.
En resumidas cuentas ? Era Bach brasileño?
- No. Con certeza que nó.
Era portugués."