Visitei bom número das escolas brasileiras no Japão – e também as que, japonesas, tinham programas especiais para as crianças brasileiras. No começo, senti um constrangimento sério: onde ia, era recebido com flores, palmas, apresentações musicais, pequenos presentes (desenhos, gravuras, ingênuas peças de cerâmica), e não tinha como retribuir. Até que me lembrei de umas gaitinhas-chaveiro que a Hering, fabricante de harmônicas de boca de Santa Catarina, costumava distribuir como brinde nas feiras musicais de Frankfurt. Pequenos instrumentos, com 3,5 cm de comprimento,1,2 de largura e de espessura, um som até que razoável.
Consegui encomendar, a preços módicos, umas tantas centenas, com ilustração binacional, muito bem acabada: numa face, ciranda de crianças com as mãos dadas, em verde e amarelo e o nome do Consulado-Geral em português; na outra, a ciranda em vermelho e branco e o Consulado grafado em caracteres japoneses. O desafio seria alguma criança “tirar” o Hino Nacional no mini-instrumento (tarefa talvez não impossível, pois um entusiasta americano chegou a preparar um repertório de 25 músicas que se poderia nela interpretar, começando, claro, pela inefável “Oh Susana”; mas meu amigo Rogerio Dentello, violonista e compositor clássico, tentou, tentou mas não conseguiu ir além de umas poucas notas).
As visitas às escolas se transformaram numa cacofonia radiosa e passaram a ser esperadas não mais como o “dia do Cônsul”, mas como o “dia da gaitinha”. Não podia andar nas ruas de Oizumi e Ota sem que crianças corressem atrás, muitas vezes com os pais na cola, pedindo: “Cônsul, Cônsul, me dá uma gaitinha!”.
O êxito com o público escolar brasileiro era de esperar. Inesperado foi, contudo, o que o brinde alcançou junto aos adultos japoneses. Quando o Prefeito de Oizumi discorria sobre a necessidade de estimular a integração das crianças brasileiras e japonesas, ocorreu-me ilustrar nosso propósito recíproco mostrando-lhe a gaitinha com figuras de umas e outras justapostas. Abriu um sorriso gostoso, apropriou-se sem cerimônia do instrumento, colocou-o na boca e começou a soprar e tirar os primeiros sons. E logo pediu mais um exemplar, para sua mulher; seus auxiliares deixaram de lado a circunspecção e entraram também na fila do presente. A partir daí, incluí a gaitinha no ritual de minhas visitas oficiais. O encanto dos presenteados era invariável – alegre, infantil e emocionado. O austero Prefeito de Ueda fez questão de exibir-se tocando com a gaita no palanque de um “arraial” brasileiro em sua cidade, dois anos seguidos.
Não apenas a remanescentes lúdicos se devia essa reação surpreendente de normalmente reservadas autoridades japonesas. Logo me explicaram, os adultos contemplados, que a harmônica os comovia por ter sido o único instrumento que haviam podido tocar em sua infância, quando o Japão, empobrecido, não tinha alternativa de instrumento musical para as crianças. Por isso – algum colega cineasta sugeriu – seria tão presente, a gaita, na cinegrafia japonesa do pós-guerra?
Tão grande o sucesso do chaveiro sonoro que se cogitou de organizar um concurso nacional com prêmios (o topo de linha da Hering!) para quem apresentasse na gaitinha a melhor interpretação musical. O concurso teria eliminatórias regionais, ao vivo da rede brasileira de TV - a IPC. A ideia não foi adiante, mas muita gente treinou em casa e vez por outra eu era convidado a ouvir caprichadas apresentações de crianças e também de severos adultos. Ainda em minhas despedidas, empresário japonês de Ota tocou, em minha casa, perante brasileiros e japoneses perplexos, uma melodia tradicional alemã (em homenagem a minha esposa), que havia aprendido justamente em Santa Catarina, durante breve passagem pelo Brasil, ele marinheiro, décadas atrás.
Mas ninguém conseguiu tocar o Hino nas gaitinhas.
Consegui encomendar, a preços módicos, umas tantas centenas, com ilustração binacional, muito bem acabada: numa face, ciranda de crianças com as mãos dadas, em verde e amarelo e o nome do Consulado-Geral em português; na outra, a ciranda em vermelho e branco e o Consulado grafado em caracteres japoneses. O desafio seria alguma criança “tirar” o Hino Nacional no mini-instrumento (tarefa talvez não impossível, pois um entusiasta americano chegou a preparar um repertório de 25 músicas que se poderia nela interpretar, começando, claro, pela inefável “Oh Susana”; mas meu amigo Rogerio Dentello, violonista e compositor clássico, tentou, tentou mas não conseguiu ir além de umas poucas notas).
As visitas às escolas se transformaram numa cacofonia radiosa e passaram a ser esperadas não mais como o “dia do Cônsul”, mas como o “dia da gaitinha”. Não podia andar nas ruas de Oizumi e Ota sem que crianças corressem atrás, muitas vezes com os pais na cola, pedindo: “Cônsul, Cônsul, me dá uma gaitinha!”.
O êxito com o público escolar brasileiro era de esperar. Inesperado foi, contudo, o que o brinde alcançou junto aos adultos japoneses. Quando o Prefeito de Oizumi discorria sobre a necessidade de estimular a integração das crianças brasileiras e japonesas, ocorreu-me ilustrar nosso propósito recíproco mostrando-lhe a gaitinha com figuras de umas e outras justapostas. Abriu um sorriso gostoso, apropriou-se sem cerimônia do instrumento, colocou-o na boca e começou a soprar e tirar os primeiros sons. E logo pediu mais um exemplar, para sua mulher; seus auxiliares deixaram de lado a circunspecção e entraram também na fila do presente. A partir daí, incluí a gaitinha no ritual de minhas visitas oficiais. O encanto dos presenteados era invariável – alegre, infantil e emocionado. O austero Prefeito de Ueda fez questão de exibir-se tocando com a gaita no palanque de um “arraial” brasileiro em sua cidade, dois anos seguidos.
Não apenas a remanescentes lúdicos se devia essa reação surpreendente de normalmente reservadas autoridades japonesas. Logo me explicaram, os adultos contemplados, que a harmônica os comovia por ter sido o único instrumento que haviam podido tocar em sua infância, quando o Japão, empobrecido, não tinha alternativa de instrumento musical para as crianças. Por isso – algum colega cineasta sugeriu – seria tão presente, a gaita, na cinegrafia japonesa do pós-guerra?
Tão grande o sucesso do chaveiro sonoro que se cogitou de organizar um concurso nacional com prêmios (o topo de linha da Hering!) para quem apresentasse na gaitinha a melhor interpretação musical. O concurso teria eliminatórias regionais, ao vivo da rede brasileira de TV - a IPC. A ideia não foi adiante, mas muita gente treinou em casa e vez por outra eu era convidado a ouvir caprichadas apresentações de crianças e também de severos adultos. Ainda em minhas despedidas, empresário japonês de Ota tocou, em minha casa, perante brasileiros e japoneses perplexos, uma melodia tradicional alemã (em homenagem a minha esposa), que havia aprendido justamente em Santa Catarina, durante breve passagem pelo Brasil, ele marinheiro, décadas atrás.
Mas ninguém conseguiu tocar o Hino nas gaitinhas.
Eu ainda conservo algumas, a salvo de minhas filhas, que também as adoram.
Desde sempre, depois do Japão, ornam meus chaveiros e também servem, ocasionalmente, para acordar aquelas filhas em suas manhãs preguiçosas.