Por vários anos, no início dos 80, tomei o trem de subúrbio diariamente, para ir e vir entre minha casa em New Rochelle e a Grand Central, em Manhattan. Num dos labirínticos corredores desta estação, topei certo dia com um grupo de engraxates brasileiros, pioneiros da migração Governador Valadares-Nova York, discutindo vivamente os resultados do clássico Atlético-Cruzeiro da véspera. Sentei-me à cadeira, para engraxar os sapatos e também saber notícias do futebol. O compatriota à minha frente recusou-se, contudo, a responder em português a minhas perguntas, retorquindo em canhestro inglês, com indisfarçável sotaque “de interiorr”:
- Ispiqui onli ingliche.
E seus colegas interromperam imediatamente a conversa.
Deixei passar, sabedor dos medos de nossos compatriotas com relação aos serviços americanos de Imigração e seus agentes de “street intelligence”. Afinal, eles não me conheciam. Mas nem por não poder falar português com os engraxates brasileiros, deixei de frequentemente parar na banca para lustrar os sapatos e sentir como iam, trocando, aqui e ali, algumas frouxas palavras. In ingliche.
De Chefe do Brazilian Government Trade Bureau e Cônsul Geral Adjunto passei, todavia, à condição de Cônsul Geral interino, em que tive de permanecer pelo período nada interino de dois anos. Nesse tempo pude fazer algo, modesto, por nossa gente, incluindo deixar bem claro que os problemas de vistos e “green cards” não eram da competência do Consulado, mas sim do Governo norte-americano. Os brasileiros não precisavam evitar o Consulado com medo da Imigração.
Já na iminência de deixar Nova York, removido para a Embaixada em Washington, parei na banca de engraxates e, como sempre, cumprimentei:
- Good Morning, how are you today?
Para minha grata surpresa, veio a resposta inesperada do engraxate mineiro, desta feita em português!
- Tudo bem, senhor Cônsul. Só que a gente soube que o senhor tá indo embora... Fez tanto pela gente! Que pena!
Fiquei feliz ante o amável e singelo reconhecimento, tardio mas ainda a tempo. E nunca antes recebi tão singelo e tocante presente ao final das numerosas escalas de minha vida de eterno itinerante. Ao preparar-me para pagar, o engraxate compatriota disse:
- Deixa pra lá, hoje é de graça, de despedida...