Patriotismo de olho puxado

Renato Prado Guimarães

O sarau de resgate do Hino (voltarei a isso mais tarde) foi dirigido a nisseis/sanseis da admirável comunidade estabelecida no Japão, onde encontrei alguns dos mais vibrantes patriotas (brasileiros) em minha vida de frequente exilado (tal como Vinicius).

Patriotismo acirrado - talvez em alguma medida compensador reconfortante de perturbadores traumas de identidade: no Brasil o descendente se sente japonês; imediatamente ao chegar ao Japão, se dá conta de que é brasileiro. E no Japão revigora e magnifica sua essência brasileira,  assumindo comportamentos que não lhe são habituais no Brasil: joga futebol, dança capoeira, adora cerveja, discoteca e funk, organiza “arraiais” nas festas juninas, fala alto, é fanático dos pegas automobilísticos, adora tunagem de carro, capricha num certo comedido relaxamento na postura e nos gestos.

Ademais, em seu afã de afirmação nacional,  monta  extensa rede de lojas e serviços para sentir-se em casa (brasileira), edita e lê dezenas de publicações em português, cria sua própria rede de TV e monta mui eficiente, admirável,  companhia telefônica privada para falar com o Brasil a preço baixo.  Adota gestos e atitudes que o distinguem da massa japonesa, na qual se confunde, contudo, pela identidade dos traços físicos. Um Cônsul norte-americano em Tóquio ensinou-me a distingui-lo de seus ancestrais: basta olhar a maneira como caminham, descontraídos!  

No Japão há cerca de 100 escolas para crianças brasileiras, com currículo brasileiro e a maior parte reconhecida pelo Ministério da Educação. Foi em algumas dessas escolas, em Gunma e Saitama,  que  ouvi algumas das mais afinadas, sensíveis e emocionantes interpretações do Hino Nacional em minha experiência de exterior. A distância e a consciência das origens, agudizada pelo contraste com a sociedade local, ensejam uma dedicação acrescida à rememoração da Pátria por um de seus símbolos essenciais. As crianças cantam com atenção, entusiasmo e orgulho – e afinadas por muitas, exaustivas horas de ensaio exigente.

O “lábaro estrelado” é também uma constante na vida dos “dekasseguis”. Há áreas permanentemente embandeiradas nos lugares de concentração dos brasileiros. As fachadas do comércio são frequentemente pintadas com as cores nacionais, em tonalidades berrantes. Sob bandeiras verde-amarelas, em sucessão ininterrupta, se podia percorrer a rua principal de Oizumi, em Gunma, durante a Copa do Mundo de 2.006. As lojas brasileiras estão repletas de bandeiras, nos mais diversos formatos – tanto quanto de camisetas e outros acessórios nela inspirados.

Nosso malogro na Copa (Japão/Coréia) ensejou, todavia, uma situação inusitada e constrangedora: encomendadas em excesso, com exagerada fé em Kaká e Ronaldinho, encontrei bandeiras em liquidação em vários estabelecimentos de amigos em Gunma.  Reclamando que bandeira nacional não se liquida, usei dinheiro do próprio bolso para tirar de circulação todas as que pude localizar.  Fiz com isso um bom estoque. O que foi providencial, pois, à cata do que dar de presente, nas despedidas, aos funcionários do Consulado, em reconhecimento por sua inexcedível dedicação, extraordinária competência e generosa amizade, não poderia encontrar melhor solução. Passei horas escrevendo dedicatórias e assinando nos paus das bandeiras, mas valeu: o presente foi um sucesso e tornou-se uma perene lembrança. Em troca, ganhei uma sóbria e evocativa lanterna japonesa de pedra esculpida, que mais tarde  ornaria meu jardim em Frankfurt, debaixo de uma cerejeira.