Pílulas do Sodré

Renato Prado Guimarães

... agrément de cabeça 

Agrément é o assentimento que um Governo dá à indicação de um Embaixador de outro país. O protocolo do pedido de agrément e de sua resposta é normalmente muito formal e secreto. Sodré e Simón Alberto Consalvi, o inteligente e culto Chanceler da Venezuela, tornaram-se grandes amigos. E suas equipes eram também muito chegadas, trabalhando frequentemente juntas nas reuniões interamericanas. As relações bilaterais eram ótimas. Um dia Consalvi pergunta a Sodré, numa recepção em Brasília: “Quem é que vai ser o novo Embaixador do Brasil em Caracas?” Sodré faz sinal de que não pode ainda dizer, mas move a cabeça - em minha direção. Consalvi responde incontinenti, também com a cabeça, com um movimento vertical, vivo e afirmativo. E murmura, indiscreto: “Agrément concedido!”.

Não sei de agrément tão singularmente solicitado e tão prontamente atendido. Frações de segundo... E também inesperado: nem o indicado/aprovado sabia.

Agrément rápido e de cabeça. De esperar que bem pensado.

...  arte de borracharia  

Dono de uma coleção de obras de arte de muito bom gosto, Sodré gostava de ver as telas penduradas nas paredes dos diplomatas. Em algumas Embaixadas, ou residências de Embaixadores, pôde apreciar obras de muito boa qualidade. Na casa de Ministros de 2ª. Classe, chegou a encontrar um que outro óleo, aquarelas medíocres. Entre os Conselheiros, só pôde ver reproduções, cópias de maior ou menor numeração. 

A partir da arte na parede das casas, Sodré deduziu uma medida “artística” para a queda do poder aquisitivo na carreira diplomática, que o preocupava genuinamente. Ele distinguia entre gerações: “Há Embaixadores, sobretudo os mais antigos, que são ainda da geração dos óleos, das telas. Os Ministros são da geração das aquarelas e das esculturas em série, os Conselheiros estão na transição, para baixo, pouco podendo ir além das reproduções baratas. Eles já são, coitados, a própria geração da gravura”.

E, mais abaixo, os Secretários? “Desses, não vi nada ainda. Mas pelo que vejo de seus superiores, o que é que eles podem comprar e pendurar? Eles devem ser é da geração da folhinha. Daquelas da Pirelli, que a gente só vê na parede da oficina, quando vai consertar o pneu”.

... Calçando  centopeia

 Certa vez, numa viagem, aproveitei uma liquidação realmente generosa e comprei três ou quatro pares de sapato de que carecia, diferentes cores e formatos, para diferentes ocasiões. Sodré viu e logo comentou, perante meus colegas: 

“Onde é que o Renato vai achar pé pra tanto sapato?”

E fulminou: ”Ou então a gente não sabe e ele é um diplomata-centopeia?”.

 

... Oscar Niemeyer vs. Teresa Carreño

Era quase obsessiva a ojeriza de Sodré por Oscar Niemeyer e sua obra. Certa vez, subindo as escadas rolantes que serpenteiam entre os vãos ornados de vegetação, e de per si  admiráveis, do Teresa Carreño, o magnífico teatro/sala de concertos de Caracas, volta-se para sua comitiva, que vinha atrás, e lá do alto dos degraus proclama, grandiloquente, braços abertos, lembrado talvez do medíocre teatro de Brasília: 

“Olhem  Senhores! Vejam e contemplem  a maravilha de que se pode desfrutar num país que não tem um Niemeyer!”

(Nem tive ocasião para contar a Sodré: Teresa Carreño, grande pianista venezuelana no Século XIX, dedicou seu primeiro concerto internacional, em Baltimore, nada menos que a Gottschalk, "o Chopin americano", músico na Corte de Pedro II e autor da Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro).

... se balança, cai

Sodré se abria às vezes com os assessores a propósito de suas angústias políticas. Certa vez, admitiu sua perplexidade diante de situação nas eleições paulistas que envolvia amigos e aliados. Não tinha como omitir-se, nem sabia como conciliar o protagonismo político regional com seu cargo de Ministro. Um dos assessores opinou: ”O melhor mesmo é o Senhor ficar em cima do muro”. Ao que Sodré respondeu, de bate-pronto: ”Mas eu nunca tive equilíbrio político suficiente para ficar em cima do muro! Na primeira balançada, caio e me esborracho”.

 

... Partido do Comércio

De outra feita, a propósito de Partido que oferecia sua legenda pelo melhor preço em São Paulo: 

“Essa gente não deveria ter-se inscrito na Justiça Eleitoral, mas sim na Junta do Comércio”. 

... Poder & maçaneta 

Crítica ferina aos cortesãos e aduladores: 

“Poder é não pôr a mão em maçaneta”.