Poupa-Tempo no visto para os EUA

Renato Prado Guimarães

Pelo andar balanceado ou pela indumentária - por alguma razão os funcionários consulares norte-americanos sabiam identificar os nissei e sansei brasileiros, clientes privilegiados de seus serviços. A Seção Consular da Embaixada dos EUA em Tóquio processava por ano cerca de 20 mil vistos de trânsito para brasileiros envolvidos na “migração circular” Brasil-Japão-Brasil e que optam pela viagem via território norte-americano, mais barata. Essa atividade produzia por volta de 2 milhões de dólares em emolumentos, anualmente, quantia que permanecia na Embaixada para financiar a manutenção e o aperfeiçoamento dos próprios serviços de que se originava, em acréscimo aos recursos normalmente recebidos de Washington pela via orçamentária.  

Não por menos a Embaixada contratava intérpretes de português para auxiliar os brasileiros, reservava dias da semana e horários especiais para seu atendimento, punha a sua disposição recintos separados, agendava entrevistas para grupos inteiros que vinham do interior do país, procurava encontrar, solicitamente, a melhor solução para situações de emergência, de saúde ou familiar. E por esses clientes mostrava respeito e mesmo admiração. “É gente correta, cooperativa, polida, jovial - um prazer atendê-la” - me disse um Cônsul, acrescentando, sem ironia: “E de que é trabalhadora não podemos deixar de ver em suas mãos, ao tirarmos as impressões digitais”.

Impressionava esse empenho norte-americano em dar no Japão visto a brasileiro – alhures invariavelmente mal recebido. Tão vivo, aliás, era o interesse de nossos colegas, que chegaram a levantar a hipótese de missões consulares conjuntas Brasil-EUA: equipes de funcionários seus se juntariam aos Consulados Itinerantes para irem conceder vistos a nossos concidadãos diretamente onde residem no interior do Japão, toda vez em que os reuníssemos para prestar-lhes os serviços consulares fora de Tóquio. Operação barba e cabelo: daríamos os passaportes e os americanos, prontamente, o visto! A ideia me intrigou deveras, e nas circunstâncias até que fazia sentido, em nome da eficiência e das conveniências de nossos compatriotas. Mas não se chegou a avançar em sua consideração, talvez por demais incongruente num contexto de conflito áspero entre os dois países por força das limitações e requisitos exagerados dos americanos para os brasileiros em geral e exigências recíprocas por nós a tempo impostas.  

Os norte-americanos admiravam os Consulados Itinerantes gerados  no serviço consular do Itamaraty, precursores do popular Poupa-Tempo.  De acordo com uma escala previamente anunciada, grupos de funcionários dos Consulados vão aos lugares em que vivem os brasileiros para prestar-lhes os serviços de que carecem, poupando-lhes gastar tempo e dinheiro em viagens às sedes das Repartições consulares. Na jurisdição de Tóquio, os Itinerantes se realizavam aos domingos e quase sempre  se tornavam uma grande festa de confraternização. Eram ainda oportunidade valiosa para palestras sobre assuntos de interesse da comunidade e a discussão de seus problemas mais prementes. Aproveitava-se para prestar também serviços de aconselhamento médico e psicológico aos patrícios, em português, com o apoio de uma entidade beneficente da comunidade, a SABJA, também amparada pelo Consulado e na época ainda presidida pela Irmã Mori, cristã e venerado anjo guardião de nossos compatriotas em todo o Japão.