Após a histórica vitória de 2 a 1 na final da Copa de 1950, no Rio, o líder da seleção uruguaia e carrasco do Brasil, Obdulio Varela, deixou a concentração para, sozinho, "tomar umas caipirinhas" (sempre foi solitário, mesmo taciturno, e apegado a uma boa aguardente).
Anonimamente enfurnado em botequim do bairro do Maracanã, deu-se conta de que ao mesmo lugar chegava grupo de torcedores exaltados e desesperados pela perda da Copa. "Se me descobrem aqui, estou perdido" – pensou. Foi descoberto e, para sua grata surpresa, e alívio, os cariocas fizeram questão de pagar-lhe a cachaça. E até tarde de madrugada beberam juntos, solidariamente.
"Naquele momento - declarou-me Obdulio, com grandeza, 44 anos depois -, senti como é triste roubar-se a alegria de um povo".
Descobri depois que esse episódio consta de pouco conhecida biografia do futebolista publicada alguns anos antes de sua morte.
Obdulio Varella continuava herói nacional no Uruguai. Até morrer era celebrado e aplaudido onde ia por adultos e crianças, nas quais foi cultivada com esmero a saga de seus gestos e feitos na final do Maracanã. Encontrei-o, pela primeira vez, na Escola Tiradentes, de Montevidéu, que homenageia o precursor de nossa Independência. Mas a conversa sobre o sobressalto e a inesperada confraternização nas imediações do Maracanã ocorreu na Residência da Embaixada do Brasil em Montevidéu, numa comemoração de Sete de Setembro, Data Nacional. Obdulio e todo o time de 1950 eram presença bem-vinda na Embaixada, não sem surpresa para os demais convivas uruguaios, que esperavam de nós atitude mais retaliatória, mesmo vingativa, contra seu herói, nosso verdugo. Na verdade, Obdulio, como jogador e figura humana, merecia nosso respeito, nossa admiração e também - dei-me conta -, nossa amizade, sem ressentimentos.
Na mesma comemoração de 7 de setembro deparei inesperadamente com o protagonista uruguaio de grave constrangimento futebolístico que havia vivido antes, numa final Brasil x Uruguai de Copa América, no Estádio Centenário. Uma senhora brasileira a meu lado, mais afeita ao espetáculo do que ao esporte, muniu-se de duas amplas bandeiras verde-amarelas e pôs-se a acená-las com vigor e constância invariáveis. Já íamos a meio do primeiro tempo quando um senhor muito educado e bem vestido, sentado na fila de trás, tocou-me no ombro e perguntou, delicadamente: “Será que não dá para pedir a ela para mexer as bandeiras apenas quando o Brasil ataca?” Na festa da Embaixada eu o revi e pude reconhecer: era Máspoli, o elegante goleiro da seleção celeste de 1950.