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Mulheres no MRE

Revista da ADB / Edição 92 Seção – Mulheres no MRE Cce – 10.638

Na esteira do debate sobre a situação das mulheres na diplomacia brasileira – que tomou contornos de discussão pública após a publicação de matérias em jornais e revistas de grande circulação – o portal eletrônico Mundorama, dedicado às relações internacionais, apresentou sua contribuição. Trata-se de “As mulheres na carreira diplomática brasileira: uma análise do ponto de vista da literatura sobre mercado de trabalho e gênero”, de autoria dos pesquisadores Rogério Farias e Géssica Carmo, viabilizada por meio de bolsa de pós-doutorado do CNPq.

Rogério, que é visiting scholar do Instituto Lemann para Estudos Brasileiros e associate do Centro para Estudos Latino Americanos da Universidade de Chicago, também é cônjuge de diplomata, a Secretária Marianne Martins Guimarães. Seu artigo analisa a situação das mulheres no Itamaraty sob o prisma da evolução da mulher no mercado de trabalho contemporâneo – a respeito da qual, segundo os autores, prevalecem “pré-disposições cognitivas” em detrimento de análises de evidência empírica. Sempre com a ressalva de que faltam dados numéricos desagregados por sexo – e raça –, os autores traçam diagnósticos e prognósticos baseados nos números disponíveis, a fim de contribuir para análise mais racional e informada sobre o tema.

Os autores salientam o contexto interno e internacional propício ao debate, citando “conscientização maior do Itamaraty sobre como as desigualdades da sociedade brasileira são reproduzidas no seio do aparato estatal” e a formação do Grupo de Mulheres Diplomatas – que, por sua vez, ensejou a criação do Comitê Gestor de Gênero e Raça (CGGR) no MRE. Do ponto de vista internacional, frisam que a especificidade das mulheres na diplomacia vem angariando atenção de diversas chancelarias, além da Academia, indício de “início de diálogo transnacional sobre o tema”.

Os autores começam pelo exame de dados quantitativos referentes ao concurso de acesso e à carreira dos diplomatas brasileiros. Salientam que a formação feminina é mais diversificada do que a dos homens, em termos de cursos de graduação, e que as mulheres ingressas detêm proporcionalmente mais títulos de pós-graduação que seus pares homens, desde 1985. Segundo projeção estatística obtida pelos autores, a paridade entre homens e mulheres aprovados no concurso ocorreria apenas em 2066, com base nas taxas de ingresso feminino entre 1954 e 2010. Esse dado refuta a crença, bastante difundida, no "aumento natural” do número de mulheres diplomatas. Natural, indicam os autores, é a inércia: mantidas as mesmas condições, a tendência de expansão segue muito lenta.

As taxas de aprovação feminina permanecem constantemente abaixo do percentual de inscrição de mulheres no concurso. Partindo desse dado, os pesquisadores averiguaram a possibilidade de que o modelo de seleção teria efeitos negativos sobre o êxito feminino, mas a hipótese é descartada, como de baixo poder explicativo sobre a taxa inferior de aprovação das mulheres. Por outro lado, por meio de redes sociais, pesquisadores e docentes da área de RI têm questionado a ausência de mulheres nas bancas examinadoras do CACD, o que poderia ensejar desvalorização das professoras especialistas nos temas avaliados, mas também poderia constituir explicação para eventual viés masculino no processo seletivo. Há que aguardar resultados de trabalho específico voltado para isso.

Os pesquisadores passam, então, a perscrutar características da carreira diplomática como elementos explicativos para a baixa participação de mulheres. Classificam-na “profissão não tradicional”, ou seja, uma área de atuação em que a presença feminina foi, por muito tempo, inexistente ou minoritária e que "mantêm uma participação consistentemente abaixo de um terço da organização, em situação não distinta do serviço exterior de outros países”. Como preditores do baixo interesse de mulheres pela carreira sublinham: o impacto da natureza diferenciada dos processos de socialização das crianças e jovens em função do sexo na escolha da profissão; as imagens da profissão na sociedade; e os desafios que as mulheres (mais do que os homens) enfrentam em seu cotidiano laboral.

Em seguida, os autores se propõem a enquadrar o caso das mulheres diplomatas brasileiras na literatura contemporânea sobre mercado de trabalho e gênero. Salientam que o Brasil não está isolado em termos da baixa representação de mulheres em cargos de projeção política, no mundo corporativo e nas chancelarias. Com dados de países como Noruega e Japão, explicitam ser falsa a expectativa de que desenvolvimento econômico leve automaticamente à igualdade de gênero.

Problematizam ainda a concepção segundo a qual a lentidão do avanço feminino decorreria de limitações intrínsecas ao gênero ou priorização de projetos pessoais, como a família. O Banco Mundial, por exemplo, reconheceu o papel de “normas enviesadas” nesse cenário. Não por desonestidade ou ação individual mal intencionada de dirigentes, mas porque as regras, muitas vezes pouco transparentes, são "criadas pelo e para o homem” e não haveria incentivos para lidar com desigualdades estruturais. Os pesquisadores identificam que o “ideal meritocrático de imparcialidade, universalidade e neutralidade” funciona, em ambientes majoritariamente masculinos, como viés de favorecimento dos homens na comparação com as mulheres.

Os autores apresentam análises que mostram que, na ausência de informações sistematizadas sobre competências e habilidades, as chefias tendem a fazer inferências sobre um funcionário com base em gênero e raça. Estudos citados apontam que mulheres que ascendem em ambientes masculinos sentem-se compelidas a conformar-se às regras existentes, distanciando-se de outras mulheres.

Para os pesquisadores, o desafio atual no SEB diz respeito à progressão funcional e à retenção das mulheres na carreira. Partindo de dados disponíveis na literatura especializada, argumentam que a ausência de critérios objetivos para a promoção faz que os funcionários dependam de marketing próprio e autopromoção – comportamento muitas vezes julgado “agressivo” quando praticado por mulheres. Cotas e metas impostas nas Chancelarias de países como Dinamarca e Noruega, por outro lado, são vistas de maneira negativa inclusive pelas próprias mulheres. Corretamente, Farias e Carmo julgam que tais artifícios só podem ser bem sucedidos se temporários e acompanhados de mudanças objetivas na cultura organizacional, já que podem gerar ressentimento entre gêneros.

A partir daí, os autores enveredam pela questão da jornada de trabalho no Itamaraty e da cultura do "presenteísmo". O tempo de permanência no ambiente de trabalho como indicativo de comprometimento profissional, desvinculado de avaliação de produtividade, teria efeito deletério. Afirmam: “A presença física no trabalho e o contato presencial contínuo são vistos como métrica para o mérito, a despeito da crescente evidência de que indivíduos são mais produtivos quando têm a discricionariedade sobre seus horários e locais de trabalho”.

Uma iniciativa nesse sentido partiu do Quai d’Orsay, para evitar longos horários que "penalizam os chefes de família” – já que as funções de cuidado (de crianças, idosos, enfermos e deficientes) ainda recaem muito mais sobre mulheres do que sobre homens. Segundo os autores, as mulheres diplomatas "enfrentam grandes sacrifícios em decorrência de suas vidas pessoais, enquanto a maioria de seus colegas homens geralmente conseguem transferir tal fardo para suas cônjuges e companheiras”. Tais constatações, opinam, deveriam ser entendidas pela chefia do MRE como desigualdade estrutural de gênero ser compensada com medidas adequadas.

Ao discorrer sobre a dificuldade de cônjuge do sexo masculino se afastar do trabalho para acompanhar a mulher diplomata ao exterior, os autores reconhecem que o avanço das mulheres no mercado de trabalho no Brasil tende a tornar as remoções penosas também para as esposas dos diplomatas. Enxergam na criação da Associação dos Familiares dos Servidores do Itamaraty (AFSI) indício da demanda por ações que beneficiem a coesão familiar e preservem a trajetória profissional dos acompanhantes em face das peculiaridades do serviço exterior.

Na parte final do artigo, os pesquisadores refletem sobre a criação e o funcionamento do Grupo de Mulheres Diplomatas; a divulgação carta subscrita por 203 diplomatas com demandas para a chefia, em 2014; bem como a posterior conformação do CGGR. Ao analisar a carta, Farias e Carmo classificam-na “a maior mobilização política na história do SEB até então”. Avaliam que a agenda de 14 pontos “segue de perto as recomendações da literatura sobre equidade de gênero no mercado de trabalho”, em convergência com demandas apresentadas por comitê equivalente no serviço exterior francês, em 2012.

Ao analisar a compilação, pelo Grupo de Mulheres Diplomatas, de casos de discriminação, assédio e microviolências, os autores avaliam haver “certa distância entre intenções e ações efetivas” pelo MRE e sugerem linhas de ação possíveis em prol da igualdade de gênero, como usar os canais institucionais nas redes sociais para elevar a visibilidade feminina, para estimular o interesse de jovens mulheres pela carreira; extinguir punições informais pelo exercício das licenças maternidade e paternidade; constituir “sistema de administração de pessoal robusto”, colaborando para a diminuição da subjetividade e de arbitrariedades; avaliar cuidadosamente o “gargalo” nas promoções de mulheres a partir do nível de Primeiro Secretário; oferecer creche, discutir horários de trabalho e avaliar a conveniência de trabalho remoto.

A análise da situação das mulheres no Itamaraty, na opinião dos autores, carece de maior aprofundamento. É citada a ainda pouco explorada vulnerabilidade das diplomatas negras. Opinam ser a ausência de dados desagregados por raça impedimento ao desenvolvimento da discussão. Ressaltam a pertinência da ampliação do debate para as funcionárias das demais carreiras do SEB – mais invisibilizadas que as diplomatas.

As informações apresentadas foram um resumo das reflexões muito bem fundamentadas e da extensa pesquisa bibliográfica realizada por Rogério Farias e Géssica Carmo no artigo original. O texto torna-se relevante não só em virtude dos dados apresentados – sem dúvida contundentes–, mas também porque os autores entendem que a situação da mulher diplomata integra uma discussão mais ampla, relativa ao amadurecimento democrático do Brasil e à adaptação do mundo do trabalho às necessidades de equilíbrio entre vida profissional e vida familiar, em prol dos funcionários de ambos os sexos, da instituição, e do Estado. Vale a leitura.

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Comparação entre as carreiras do SEB entre 1985 e 2010

- Há mais mulheres do que homens nas carreiras de Oficial e Assistente de Chancelaria – logo, a questão de mobilidade espacial (remoção para o exterior) não explica o desequilíbrio de gênero na carreira diplomática

- Homens passam proporcionalmente mais tempo no exterior do que suas colegas;

- Mulheres pedem consideravelmente mais licenças que seus pares do sexo masculino;

- Carreiras masculinas são em média 19% mais longas que as das mulheres;

Presença das mulheres no MRE e representação proporcional
Carreira Gênero Integrantes Percentual
Diplomatas Mulheres 355 22,58
Homens 1217 77,42
Total 1572 100
Oficiais de Chancelaria Mulheres 464 54,14
Homens 393 45,86
Total 857 100
Assistentes de Chancelaria Mulheres 336 57,73
Homens 246 42,27
Total 582 100
Distribuição dos Diplomatas por classe
Mulheres Homens Total
Ministro de Primeira Classe 35 169 204
17,16% 82,84% 100%
Ministro de Segunda Classe 48 183 231
20,78% 79,22% 100%
Conselheiro 67 231 298
22,48 77,52 100%
Primeiro Secretário 60 193 253
23,71 76,29 100%
Segundo Secretário 60 171 231
25,97 74,03 100%
Terceiro Secretário 85 270
23,94 76,06 100%
Diplomatas no quadro especial
Quadro Especial Gênero Integrantes Percentual
Diplomatas Mulheres 157
Homens 51
Total 208 100
Mulheres Homens Total
MPC Integrantes 9 66 75
Em % 12 88 100%
MSC Integrantes 14 46 60
Em % 23,33 76,67 100%
C Integrantes 28 45 73
Em % 38,36 61,64 100%
Fonte: Divisão de Pessoal, fevereiro de 2015

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O caso mexicano

A Secretaria de Relações Exteriores do México há pelo menos duas décadas empenha esforços para superar as limitações referentes ao ingresso e à progressão funcional das mulheres na diplomacia. Estímulo importante para tal decisão política foi recomendação feita ao governo mexicano pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação contra Mulher da ONU (CEDAW), em 1996, no sentido de “acelerar esforços para promover mulheres a posições de liderança, incluindo o serviço exterior”.

Trata-se de caso bastante semelhante ao brasileiro: disparidade constante ao longo do tempo entre o percentual de mulheres inscritas e daquelas aprovadas no concurso de admissão e “gargalo” nas promoções para os cargos mais altos da carreira. Há, contudo, verificação periódica, com base em dados numéricos, para aprimorar métodos – principalmente em termos de critérios objetivos, mensuráveis e transparentes para promoção.

Ainda assim, após três chanceleres do sexo feminino nos últimos 20 anos, o México conta com apenas 25% de mulheres entre seus embaixadores – percentual maior que a brasileira, de 19% de mulheres entre MPCs em janeiro de 2016. Com o intuito de incidir sobre essa realidade em prol de maior equidade, a atual Ministra, Claudia Ruiz Massieu, anunciou decisão de incluir 50% de mulheres na próxima relação de embaixadores mexicanos. Parece ser o caso de cotas precedidas por medidas de mudança de cultura organizacional, tal como preconizado por Rogério Farias e Géssica Carmo como preditor de bons resultados.

AUTORIA: Primeira Secretária Viviane Rios Balbino, lotada na Assessoria Internacional do Ministério da Defesa

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