Acervo Online | Mundo
por Maria Celina Rodrigues
9 de dezembro de 2021
Enquanto o mundo se prepara para enfrentar novas variantes da Covid-19, muitos países já começam a celebrar a chegada de um novo momento, com a queda nos números de internações e mortes em decorrência do coronavírus e um aumento da vacinação em massa. Diante dessa conjuntura, é tempo de pensar em novos passos e reavaliar prioridades. Afinal, o que a pandemia ensinou e como podemos nos preparar para os próximos anos? Tais questões perpassam todos os setores, do comportamental e econômico ao político, da esfera pública à privada, impondo autoavaliações a líderes de grandes e pequenas nações.
Ainda que o bem-estar do indivíduo sempre estivesse entre os principais objetivos da diplomacia, o que ficou evidente é a necessidade de ajustar o foco para o que realmente importa: o ser humano. O novo ciclo histórico que nos aguarda certamente não é o mesmo que abandonamos em 2020. Todos nós somos sobreviventes e precisamos reafirmar nosso compromisso com a comunidade que nos cerca e, além disso, com o local onde vivemos. Assim sendo, é esperado que o diplomata reveja a sua função e reflita também sobre as novas formas de se relacionar com o outro.
Teremos, além de um novo mundo, o surgimento de uma nova diplomacia? Por suposto que sim. O que a pandemia nos mostrou, muito mais do que uma emergência sanitária, foram desdobramentos tecnológicos, sociais, econômicos e ambientais, que exigem, cada vez mais, que o diplomata aumente sua conexão com o cidadão comum, peça mais vulnerável do quebra-cabeça homem-meio ambiente.
Faz-se necessária uma mudança estrutural, que se aprofunde muito além da superfície. A cooperação global e a solidariedade entre os Estados, com atenção especial para o social e os direitos humanos, devem pautar esse novo tipo de relação. A fase inicial da pandemia, quando líderes mundiais fecharam fronteiras e tomaram decisões unilaterais em defesa de interesses próprios, em nada se compara com a colaboração entre diversos cientistas do mundo todo em uma grande força-tarefa para combater o novo coronavírus. O exemplo veio da Ciência.
Nesse sentido, cito o diplomata e observador de relações internacionais David Mitrany, que já levantava questões à frente do seu tempo. Ele defendia uma forma de cooperação internacional que lidasse com assuntos transnacionais específicos – como o controle de doenças –, com a possibilidade de aplicar esse conhecimento técnico em outras regiões, reproduzindo a experiência em um processo cada vez mais amplo. Essa abordagem sociológico-funcional fazia oposição à político-constitucional, cujos pés fincavam-se em acordos políticos.
Pensamentos como esse são transportados com facilidade para a realidade atual. O papel atuante do diplomata pode ser verificado na experiência de cooperação mundial para a produção de vacinas contra a Covid-19 no último ano. Temos certeza de que é possível para a diplomacia assumir o protagonismo e a responsabilidade de fornecer o bem-estar dos cidadãos de forma conjunta, não isolada.
O constante preparo técnico e acadêmico somado ao olhar multilateral natural daqueles que ingressam na diplomacia, bem como dos que já atuam nas hierarquias superiores, nunca se fizeram tão necessários no presente, com o olhar voltado para o cidadão. Como presidente da entidade que congrega os mais de 1.600 diplomatas brasileiros, estou certa de que os membros do Itamaraty possuem as ferramentas prioritárias e não pouparão esforços para se articular com todos os atores necessários para cumprir esse novo papel.
Maria Celina Rodrigues é presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB/Sindical).
Fonte: https://diplomatique.org.br/o-emergir-de-uma-nova-diplomacia/