Brasil vs. Japão: Páreo de Inteligência

Na hora de pagar, a caixa na loja colinense me pergunta, cortesmente: “Muita saudade do Japão?” Me surpreendo: como ela sabe quem eu sou e que trabalhei no Japão? Diante de meu espanto, ela explica: Eu morei no Japão dois anos. Mais surpresa: a moça não tinha qualquer traço oriental. Discreto, não perguntei a respeito, mas imaginei que seria esposa de algum nissei, com direito a visto de trabalho nas fábricas nipônicas (depois soube que ela própria é sansei). Ela me precisou o lugar onde trabalhara, como operária, cidade que não era de minha jurisdição, como Cônsul-Geral em Tóquio, mas sim da alçada do Consulado em Nagóia.

Nem perguntei como a moça me reconhecera; deve ser culpa do “O Colinense”, semanário de leitura universal na cidade e que andou publicando coisa sobre mim. Mas sua inteligência viva e educação impecável me lembraram, em nossa breve conversa, episódio inesperado de minha experiência japonesa.

 Entrevista com o Secretário da Cultura da Prefeitura de cidade do interior, com alta densidade de nissei brasileiros. No fio da conversa, difícil pela necessidade do intérprete, meu interlocutor faz uma observação-pergunta surpreendente:

“Por que o brasileiro é mais inteligente que o japonês?”

Perplexo, pergunto à intérprete se havia entendido direito. Ela, japonesa e também assombrada, responde que sim; o Secretário se referia aos operários nas fábricas da região. Ante meu patente espanto, a Autoridade japonesa esclarece: “Nós observamos nas linhas de montagem. Os brasileiros que trabalham lá são mais motivados, ágeis e rápidos do que nossos compatriotas. Aprendem depressa, entendem logo os mecanismos e procedimentos, que muitas vezes modificam, melhorando o rendimento. Na comparação, nossa gente só trabalha - são como autômatos, sem vontade, apáticos”.

Até meio constrangido pelo elogio imprevisto, tive que tomar a defesa da inteligência do japonês, sem desmerecer - claro! - a do brasileiro. 
 
Não é bem assim. O que se vê nas fábricas pode até ser verdade, mas é preciso considerar que o brasileiro que lá está tem nível de educação mais alto do que seus companheiros japoneses. Os decasségui quase sempre têm secundário completo no Brasil, são estudantes pré-universitários, muitos se graduaram nas universidades brasileiras, há professores entre eles, inúmeros se formaram em escolas técnicas, o nível médio da educação formal é elevado. Eles estão na fábrica porque não têm opção, pois falta emprego no Brasil e aqui não são aceitos pelo que na verdade são, como executivos, advogados, agrônomos, agrotécnicos, universitários, mecânicos de alta qualificação. Os japoneses que vão para a fábrica, vão também por não terem opção melhor, mas isso porque seu nível de educação e treinamento é inferior, não conseguem ter acesso a escalões mais altos na rigorosa hierarquia laboral e salarial da sociedade japonesa.

Ademais, os brasileiros têm a motivação de ganhar dinheiro e ainda subir na escala profissional e social, no Japão ou de volta ao Brasil. Os operários japoneses parecem conformados com seu destino modesto, acomodados em suas bem montadas redes de proteção à saúde e previdenciária, sem as ambições e fantasias que os brasileiros ainda se atrevem a alimentar.

Para nós a esperança não morre, no Brasil ou no Japão.  E a esperança, tal como a necessidade, é parte inseparável da condição do decasségui, do emigrante, do descendente. Em âmbito mais amplo, é, por definição, a motivação do imigrante em qualquer lugar.

Japonês burro? Estou pra ver.

Vale o esclarecimento: Decasségui eram os que foram no começo, geralmente só homens, para trabalhar por um período e depois voltar à Pátria; seriam como nossos “safristas” de antigamente, ou, mais recentes, os “bóias-frias”.  Emigrante é o que se instala no Japão, com família, mulher e filhos. Descendente é como um eufemismo para definir o nissei (filho), o sansei (neto), o yonsei (também chamado “nãosei”, jocosamente – a quarta geração, quando os traços da origem estão esmaecidos a ponto de não se ter mais certeza dela).

Colega meu, João Pedro Costa, escreveu tese interessantíssima sobre a evolução do decasségui para o emigrante na migração ainda circular (vai-e-vem) Brasil/Japão. Já foi publicada em livro.

O que precede me lembra aquela regra informal (“rule of the thumb”) dos americanos: nas filas de supermercado, para pagar mais rápido escolha sempre a do caixa de imigração mais recente.

Dá certo, invariavelmente!

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