A notícia era maldosa. A partir de um fato verdadeiro, uma especulação verossímil, embora falsa. Fiquei indignado. A nota deixava mal importante Senador, desta feita - para variar - inocente. Eu fazia a cobertura do Congresso para o jornal (já no “Estadão”) e figuraria, claro, de responsável pela matéria incorreta. Li no começo da tarde (os jornais de São Paulo e do Rio começavam a circular na Capital a essa hora), comentei com alguns colegas e me preparei para cobrar explicações no começo da noite, quando as redações começavam a encher-se em São Paulo.
Não deu tempo. Foi começar a sessão ordinária e lá veio o importante Senador ao Comitê de Imprensa, contíguo ao plenário, cobrar-me a notícia indigesta. Avança, revoltado, dedo em riste, apontando e acusando; respondo com calma, mas já irritado por suas invectivas, a meu ver exageradas. Digo que não fora o autor e planejava esclarecer o ponto com São Paulo, apurar o que levara à distorção infeliz, quem sabe repará-la; ele nem deu atenção, retrucando, aos brados, dedo no meu nariz: “O Senhor escreveu, sim, a nota!” Eu respondi que não, no mesmo tom. Ele repetiu: “Escreveu, sim!” Eu retorqui que Não!!!. Ele insistiu no SIM, eu no NÃO!!!
Sim, não, sim, não, a disputa ganha sonoridade rancorosa, ecoando no próprio plenário, e começa a chamar a atenção dos demais Senadores, independentes de Partido. A essa altura a altercação, sem saídas negociáveis, só podia dar em briga física, o Senador de dedo em riste, a um palmo de meu nariz, eu já mirando a mão no nariz dele.
Foi quando o veterano e sábio Fábio Mendes, Presidente do Comitê de Imprensa, houve por bem intervir, para felicidade geral: “Senador, o Renato já havia comentado conosco como estava chateado com a matéria e falado de sua indignação ante os responsáveis, que quer identificar. E nós acreditamos nele”. O Senador ouviu, hesitou um momento mas baixou o dedo. Seguiu-se aquele silêncio constrangido, que sempre acompanha a suspensão de discussões despropositadas. Finalmente, ele se virou e se afastou, murmurando um desenxabido “Então, está bem assim”.
Fui logo agradecer ao Fábio sua intervenção deixa-disso, providencial. Ele fez o gesto significativo de que se tratava de coisa menor, melhor esquecer. Mas eu ainda observei, sinceramente inquieto: “Que situação complicada! Aquela troca de palavras ia acabar em briga mesmo. Imaginou, logo eu quebrando a cara de um Senador da República! Aqui, no plenário do Senado! Que vexame!”
Vã e arrogante preocupação, a minha. Ninguém me disse, na hora, mas depois vim a saber que o parlamentar era faixa-preta de jiu-jitsu. Que zebra! (justamente o singular animal das faixas pretas). Vexame maior: o jovem e encorpado jornalista ainda foca apanhar de um político franzino, duas vezes e meia a sua idade!
Houve colega que não gostasse da interpelação acintosa do Senador importante, vendo nela um desrespeito à liberdade de imprensa. Eu próprio não me importei. Pelo contrário, o Senador cresceu em meu conceito, ao expor brios sinceros e disposição vigorosa para resgatar sua honra machucada, exigindo-me pessoalmente satisfação. Mostrou que tinha vergonha na cara. Outros políticos deixariam passar, calejados e cínicos, incumbindo algum assessor de esclarecer e contemporizar, burocraticamente, embora sempre esperando oportunidade para tomar vingança depois.
Da autoria da nota, só consegui apurar que viera da Sucursal no Rio de Janeiro. Ninguém se interessou em retificá-la;
Afinal, o Senador importante já tinha feito antes por merecer...