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Correspondência de e-mail:

De minha filha, na ocasião residente na Austrália:

@ Pai,

Não costumo encaminhar mensagens, mas amei essa aí.

Beijos,

Gabriela

 "Foi uma intervenção incisiva, com um argumentário que o diplomata pretendia inequívoco. Aquela reunião, em sessão restrita, entre os representantes da então União Europeia a "quinze", estava destinada apenas a confirmar a "separação das águas", no âmbito de uma negociação muito complexa. As temáticas que estavam em causa eram conhecidas, as posições assumidas por cada país eram mais ou menos expectáveis. No fundo, pouco mais havia a fazer do que constatar a impossibilidade de se gerar um consenso, ainda que mínimo, com todas as consequências políticas que esse impasse iria gerar, obrigando o assunto a subir a outras instâncias.

Tendo acabado de tomar a palavra, o diplomata recostou-se na cadeira, colocou o auscultador da interpretação simultânea no ouvido e dispôs-se a escutar as duas intervenções que se iriam seguir, oriundas de delegados de países que, de uma forma há muito evidenciada, estavam abertamente do outro lado da "barricada".

E, no entanto... o nosso homem começou a ficar muito perplexo quando ouviu o primeiro dos oradores afirmar que concordava, no essencial, com aquilo que acabara de ser dito, felicitando-o mesmo pela "evolução" que mostrara, na "nova" posição assumida. Pensou tratar-se de um equívoco desse colega, facilmente corrigível. Mas, com espanto, escutou o orador seguinte dizer, basicamente, a mesma coisa, congratulando-se com a sua intervenção.

O diplomata ficou angustiado. A sala começou a olhar para ele. Não sabendo bem o que fazer, não podendo "agarrar-se" a coisas substanciais, porque aquelas duas intervenções tinham sido curtas e genéricas, limitando-se a "apoiar", com assumido entusiasmo, a sua intervenção, decidiu pedir a palavra à presidência da sessão. Esta procurou dissuadi-lo, até porque havia ainda mais oradores inscritos. Em desespero, o diplomata pediu então para fazer um "ponto de ordem" - um vetusto truque, em torno de aspetos da "ordem de trabalhos", que permite efetuar uma interrupção e que, com habilidade e rapidez na passagem da mensagem, dá ocasião para se dizer o que se quer.

- "Senhor presidente. Esta minha intervenção prende-se com as que os dois oradores precedentes fizeram. Verifiquei, com surpresa, que eles concordaram com o que eu disse. Ora eles não podem estar de acordo comigo, porque eu sei que não estou de acordo com eles! Por isso, ou eu me enganei no que disse, embora não consiga perceber em quê, ou a interpretação não funcionou. De qualquer forma, peço que da ata desta sessão não conste que eu disse o que parece que terei dito..."

A sala explodiu de riso, claro!"

Minha resposta:

@Filha Gabriela,

Engraçada, sim, a estória. Saborosa, bem escrita. Você sabe de onde vem?

Certa ocasião, vi-me numa situação similar, de embaraçosa distração e aflitiva perplexidade pós-discurso. O Presidente do país havia montado uma ambiciosa iniciativa de aproximação continental, meio redundante com esforços já em curso. Avisei Brasília. Nenhuma reação. A Chancelaria local convoca uma reunião sobre o assunto, convidando todas as partes supostamente interessadas. O Itamaraty não se manifesta. Uma semana antes, manda um telegrama lacônico: Designo Vossa Excelência para representar o Brasil no encontro em apreço. Pergunto por instruções. Nada de resposta. Dois dias antes da reunião, ansioso, mando um telegrama a Brasília, explicando  toda a situação e sugerindo uma linha de comportamento durante a tal reunião. Esta começa sem resposta de Brasília. Eu me preparo para dizer qualquer coisa, anódina, ao chegar minha vez de falar. Eis, porém, que recebo pelo próprio Presidente do evento,  o vice-Chanceler anfitrião, cópia de um telegrama recém-chegado à Embaixada, que um mensageiro fora por engano entregar na mesa que conduzia os trabalhos. O presidente notou o erro e o corrigiu, encaminhando-me de imediato o papel.  A mensagem dizia apenas, discreta e lacônica, em dez palavras, que Brasília agradecia meu telegrama e aprovava a orientação que eu havia proposto. Foi ler o telegrama,  e o Presidente passar-me a palavra para expressar a posição de meu Governo ante a iniciativa em causa. Agora à vontade, disse tudo aquilo que  havia sugerido  fosse dito. Com a convicção de autor das sugestões,  e a autoridade da reflexão prévia, fiz uma análise breve mas abrangente do projeto, de suas vantagens e inconvenientes, abordei opções de conduta e caminhos, defini uma posição brasileira de sensata reserva, etc. etc. - tudo, claro,  "de acordo com as instruções recebidas de meu Governo".  Termino minha intervenção e relaxo, aliviado e distraído; penso no trabalho por vir à tarde, no coquetel inevitável à noite, converso com o colega ao lado, saio de cena... Mas de repente noto que o Presidente da sessão está olhando para  mim, e que toda a sala começa a olhar também; ouço, igualmente, risos e palmas incipientes. E não entendia nada do que estava acontecendo; perdera algo que me dizia respeito.  Ao lado alguém nota meu desconforto e me sussurra ao ouvido: "O Presidente brincou, ao fim de seu discurso: 'Isso é que é escola diplomática! Por isso há que respeitar o Itamaraty. Eu vi, vocês viram, o Embaixador recebeu suas instruções na hora exata, pontuais, e eram só uma linha. E a partir dessa linha ele construiu  essa exposição bem-informada, abrangente, equilibrada'.   Constrangido, com remorso da glória imerecida, minha e do Itamaraty, mas também desconfiado de que o suposto elogio podia conter uma crítica irônica (eu poderia ter ido além de minhas lacônicas ordens, em parte contra a iniciativa dos anfitriões), só me ocorre pedir de novo a palavra e mergulhar de cabeça na brincadeira: 'Com uma linha de instruções, a gente pode até fazer alguma coisa. Mas vocês precisam ver, mesmo, é quando não chega instrução nenhuma!'.

Não vai circular isso na net!

Beijos,

Renato

@ Pai,

Adorei! Eu teria surtado, hehehe.

É português de Portugal, né? No cabeçalho aparece o nome do autor: Francisco Seixas da Costa. Ele é Embaixador de Portugal na França e tem um blog cheio de causos (http://duas-ou-tres.blogspot.com/).

Pode deixar, a estória morre na minha caixa postal ;-)

Beijos,

Gabriela"

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