Jornalismo vs. Diplomacia 2

Fui nomeado Chefe da então Secretaria Especial de Imprensa do Itamaraty, por conseguinte porta-voz da instituição. Os jornalistas credenciados vieram cumprimentar-me, animados: 

  • Agora sim, vamos ter um bom porta-voz – um ex-jornalista!

    Apressei-me em jogar água fria naquela expectativa irrealista. Bem como em fazer justiça aos esplêndidos porta-vozes que me haviam precedido, nada menos que os competentíssimos e imensamente saudosos  Lampreia e Pericás. 

E radicalizei, preventivo:

-    O pior porta-voz é justamente o ex-jornalista! 

Ao terminar minha missão, alguns dos amigos credenciados vieram despedir-se e felicitar-me. Não pelo meu desempenho, mas pelo acerto de minha profecia: 

- Você tinha toda razão. Você provou mesmo que nada é pior do que um porta-voz ex-jornalista.

Queriam talvez dizer: ruim prá imprensa, mas bom prá diplomacia...

Jornalismo vs. Diplomacia, a pugna eterna e cordial entre a fonte e o repórter...

Eram tempos inaugurais da nova democracia. A imprensa, calada na ditadura, com razão de tudo queria saber, sem travas. Mas muitas vezes não havia o que dizer-lhe. Quando, por exemplo, o fato não estava ainda maduro para a notícia, esta sempre impaciente, ou nas ocasiões em que o Ministro fazia uma declaração delicada e os jornalistas vinham perguntar ao Porta-Voz o que ele havia querido dizer. O risco era óbvio, de a interpretação gerar contradições, dar lugar a mal-entendidos embaraçosos, pro Jornalismo e prá Diplomacia... Por isso cunhei uma frase, de polida e irretorquível recusa a comentar em situações como essa: 

-    Quando a voz fala, o porta-voz cala.

Versão mais elegante para o vulgar “falô, tá falado”...

Tempos de muitas frases tolas, engraçadas, algumas até inteligentes. Eu e os colegas da SEI anotamos numerosas e inesperadas sobre o ofício da notícia, ouvidas de colegas e repórteres no embate eterno entre a fonte e a mídia, mas caí um dia na besteira de mostrá-las a um chefe que adorava agradar seus amigos jornalistas com informações de primeira e outros petiscos.  Gostou tanto que, desconfiado, tive de arrancar-lhe o papel das mãos e ir correndo triturá-lo. Perdi um belo acervo. De algumas ainda me lembro, contudo.

É célebre a frase de José Maria Alckmin: “O que importa não é o fato, mas sim a versão”. Parodiando-a, a propósito de jornalista que cismava com este ou aquele diplomata, e vergava suas notícias em função da implicância: 

- O que importa não é o fato, mas sim  a aversão.

 

A propósito da dificuldade de retificar-se uma notícia inverídica:

  • o desmentido jamais tem o tamanho da mentira
  • o desmentido não apaga a mentira, apenas a coloca sob suspeita
  • o desmentido não apaga a mentira, antes chama  atenção sobre ela
  • O desmentido só faz proclamar e multiplicar a mentira

 
Sobre o fato, a notícia, a verdade e seus claro-escuros:

  • uma vez notícia, o fato, por menos verdadeiro, é indelével
  • a notícia modela o fato
  • o fato é rei
  • é preciso ter a humildade de curvar-se ante o fato
  • quem faz a notícia não é a fonte, nem o jornalista; é o fato, mas ninguém o reconhece 
  • o fato é humilde, não basta, o que importa é o anti-fato - o que está por trás dele
  • o fato é chato
  • nada mais frustrante do que a singeleza da verdade
  • a verdade é o ideal, mas para a notícia o verossímil basta
  • o inverossímil faz a melhor notícia

 Havia mais frases. Pena. O triturador não perdoa, nem devolve...

Estas, contudo, me ocorreram agora, e vão como fecho destas mal traçadas de livro todo, à falta de melhor desculpa pelo tanto que são, as linhas, folgadas, barrocas, arrevesadas:

  • só a crônica admite liberdades para com o fato
  • a crônica é, afinal, a poesia da notícia, a trova do evento. 

Prá dar nesta briosa epígrafe de epílogo, copiada das “Crônicas Tardias, Memórias Precoces”, inéditas:

“A crônica é a trova do evento, a poesia da notícia.

A memória é o passado em conserva, servido a gosto”.

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