No pique da bola

Emissora de TV de Caracas convidou-me para comentar os jogos do Brasil da Copa do Mundo de 1990 (vejam foto ao final do documento). Passei a ser “atração” no intervalo dos jogos, e a seu final, quando devia apresentar minhas observações a respeito do desempenho do Brasil. Totalmente inexperiente de coisas de TV e rádio, apostei na minha vivência de futebol para tentar não fazer um mau papel. E, claro, fiz minha lição de casa, estudando as copas anteriores e, sobretudo, abastecendo-me nas melhores fontes da sabedoria futebolística, brasileiras e alheias. De Nenem Prancha e Garrincha a Albert Camus, Jean-Paul Sartre e Henry Kissinger, demorando-me no maior de todos, o gênio Nelson Rodrigues. Resultou uma coleção meio frouxa de máximas, frases, fatos e anedotas, desarticuladas mas que têm, aqui e ali, sua graça e sua inteligência, umas mais, outras menos conhecidas, quase todas, contudo, inesperadas.  No todo, para mim irresistíveis.

Lá vão, no pique da bola, sempre citado o autor, quando conhecido:

Com prazer! Aqui está a lista com o símbolo § no início de cada frase e os nomes dos autores em negrito, quando indicados, entre parênteses:

  • Penalty é coisa tão séria que quem deveria bater é o Presidente do clube (Nenem Prancha)
    § O jogador deve ir na bola como se fosse num prato de comida (Nenem Prancha)
    § Futebol não é pátria
    § A seleção é a pátria de chuteiras
    § O drible é o triunfo do eu de inspiração sobre o eu de obrigação
    § A principal diferença entre o jogador comum e o craque é que o jogador comum vê a jogada, o craque antevê
    § O narcisismo é o grande abismo dos ídolos (Armando Nogueira)
    § Não se pode levar a sério um esporte jogado com os pés (José Luís Borges)
    § E foi assim que Maanape inventou o bicho do-café, Jiguê a lagarta-rosada e
    § Macunaíma o futebol, três pragas (Mario de Andrade)
    § Divertido, espontâneo, inconsequente, com uma inocência que não escondia espertezas instintivas de Macunaíma, Garrincha, sem perceber sua condição de agente divino, foi ...um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que alimente o sonho (Carlos Drummond de Andrade)
    § Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma (...) (Carlos Drummond de Andrade)
    § Sobre Menotti, técnico da seleção argentina: "Que estranho. Ele é um homem tão inteligente, mas teima em falar de futebol o tempo todo" (Borges)
    § A bola não admite truques, só efeitos sublimes (Jean Giraudoux)
    § Os estádios do domingo, cheios de arrebentar, e o teatro, que amo com amor desmedido, são os únicos lugares do mundo em que me sinto inocente (Albert Camus)
    § Tudo o que sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens, eu o devo ao futebol (Camus)
    § Aprendi que a bola nunca vem até nós onde a esperamos. Isso ajudou-me durante a vida, sobretudo nas grandes cidades, onde as pessoas não costumam ser propriamente retas (Camus)
    § A jogada ensaiada pode até dar certo, mas tem de avisar antes o adversário (Garrincha)
    § Combinou com os russos? (Garrincha)
    § No futebol, tudo é complicado pela presença do outro time (Jean-Paul Sartre)
    § Há quem diga que o futebol é um sem fim de movimentos desconexos, sem a coreografia dos esportes norte-americanos (Henri Kissinger)
    § As seleções nacionais do Brasil demonstram que talento sem alegria é uma contradição em termos. Elas se exibem com uma exuberância contagiante (Kissinger)
    § Claro, os brasileiros, sendo humanos, não podem evitar certas fraquezas. Seus jogadores se encantam de tal maneira com suas brilhantes manobras que às vezes esquecem que o propósito do jogo é marcar gols (Kissinger)
    § Um time brasileiro no ataque – como costuma estar, a maior parte do tempo – parece uma escola de samba no carnaval. Onda após onda de camisas amarelas rola contra o gol adversário até que a resistência é vencida, sem ser humilhada; não é desgraça ser derrotado por um time cujo estilo ninguém pode imitar (Kissinger)
    § Historicamente, a equipe mais espetacular é a do Brasil (Kissinger)
    § O segundo time favorito de todos no mundo é o brasileiro, como a França foi por muito tempo a segunda pátria dos intelectuais (Kissinger)
    § O estilo nacional tradicional dos italianos consiste em administrar sua energia para o minuto final (Kissinger)
    § A seleção argentina é como o país: ou é brilhante, ou é opaca (Kissinger)
    § Para entender a alma de um brasileiro, é preciso surpreendê-lo no momento de um gol (A. Nogueira)
    § Se a bola não quica, mau caráter indica (A. Nogueira)
    § O crítico de futebol é um privilegiado que só começa a jogar quando o jogo termina: por isso ganha sempre (A. Nogueira)
    § É no passe, de primeira ou não, que o homem se afirma um animal sociável (A. Nogueira)
    § A derrota, como a vitória, por definição não é permanente. Um domingo é de melhoral, outro é de brahma casco-escuro (A. Nogueira)
    § Os floreios barrocos tão do gosto do futebol brasileiro (N. Rodrigues)
    § Carreiro, o maior pescador de pênalti: quando entrava na área, espalhava o terror, porque a qualquer momento podia morrer. Caía morto e não ressuscitava antes que o pênalti fosse marcado. Abusava da própria fraqueza, transformada em arma de intimidação quase irresistível (N. Rodrigues)
    § Se vamos a um jogo de peteca, bola de gude ou cuspe à distância, é na esperança ainda da poesia (N. Rodrigues)
    § A poesia do futebol está exatamente no frango; a grande defesa não dura, é efêmera (é como a vacinação obrigatória, ou outra entrega de Oscar); o frango é eterno (N. Rodrigues)
    § O frango é um direito intocável do goleiro (N. Rodrigues)
    § Eu nunca vi um goleiro brasileiro realmente bom. Talvez porque seja tarefa muito solitária. O goleiro, afinal, tem que ficar arado, atrás, enquanto seus companheiros se divertem traçando passes espertos no gramado. Ou talvez porque uma função puramente defensiva ofenda a imagem que o brasileiro tem de si (Kissinger)
    § Se futebol fosse geometria, os engenheiros seriam os únicos campeões
    § O técnico pode ser analfabeto; não pode é ser burro
    § Os fatos não confirmaram a profecia; pior para os fatos (N. Rodrigues)
    § O que conta é o resultado, mas a gente também quer o agregado artístico de como se obteve esse resultado (Juán Nuño)
    § Olé: fenômeno de transculturação de um espetáculo a outro; mas gritar olé é querer fazer do futebol uma tourada sem touro (J. Nuño)
    § Jamais no futebol, por muita arte que se pretenda introduzir no jogo, poderá aproximar-se sequer à sombra da tourada; além de faltar-lhe a inegável beleza do homem só diante do animal, carece do componente essencial e sagrado da tourada: o ato sacrificial no ritual que assegura, em cada corrida, a constante presença da morte (J. Nuño)
    § O futebol-espetáculo deriva perigosamente para uma forma de religião popular, em que os crentes enlouquecidos (por alguma razão se chamam “fanáticos”) estão dispostos a morrer e matar (J. Nuño)
    § O futebol é onde o homem pode ser elegante, refinado, sem risco de afeminamento (Joaquín Marta Sosa)
    § Os gols do futebol são mais de liberdade do que de pontapé (Marta Sosa)
    § O futebol é uma entidade social que vincula e totaliza (Cristobal Guerra)
    § O ser humano é capaz de tudo, até de uma boa ação. Não é capaz, porém, de imparcialidade (N. Rodrigues)
    § Só o idiota pode não torcer, ser isento num jogo que é histericamente passional (N. Rodrigues)
    § Nas profundezas do cronista, ruge uma paixão imensa (N. Rodrigues)
    § A disciplina foi feita para soldadinho de chumbo, não para o homem. Como toda convenção, existe para ser violada. Quando vejo um time baixar o pau, concluo: 'Eis o homem' (N. Rodrigues)
    § Qualquer clássico tem uma aura de mistério e espanto (N. Rodrigues)
    § Didi, o homem que quase achou o que não existe: perfeição (Paulo Mendes Campos)
    § Antes Zózimo que mal acompanhado
    § Os times grandes jogam melhor no segundo tempo (Jaime Tello)
    § Jogar mal e vencer é melhor do que jogar bem e perder, de acordo com o raciocínio de Lazaroni. Mas não há que esquecer que também se pode jogar bem e ganhar (Pelé)
    § Aprender esquema de jogo novo sempre apresenta riscos. É como quem procura aprender idioma novo: às vezes não o aprende e esquece o que aprendeu de criança
    § Todo mundo querendo ganhar, jogando na defesa e feio, e quem resolve o problema da plateia, que só deseja ser feliz? (Gonzaguinha)
    § Ai de nós no dia em que a verdade reinasse em tudo. Imagine o zagueiro correndo atrás do juiz: "Seu juiz, foi pênalti, eu fiz o pênalti!" (N. Rodrigues)
    § Maracanã se vaia até o minuto de silêncio
    § A cobrança do pênalty é o momento religioso da partida (N. Rodrigues)

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