O diplomata, um brasileiro à distância?

Por dever de ofício, o diplomata aprende línguas e como viver no exterior. No exterior vive e trabalha, às vezes se casa, frequentemente tem filhos, que lá estudam, se formam e, por sua vez, também se casam e têm filhos. Familiariza-se com certos países, lança novas raízes. Ganha e gasta em dólares, ou euros, tem contas bancárias, às vezes mesmo forma patrimônio nos lugares onde trabalha. Passa anos e anos fora. Apesar de seus estágios obrigatórios em Brasília, nada mais natural que possa parecer, a seus compatriotas, um estrangeiro – ou um brasileiro à distância, incompleto. Nada mais natural, igualmente, esperar que, ao se aposentarem, os diplomatas se inclinem, em alguma proporção, a morar no exterior, onde afinal já residiram por muitos anos. Sem dúvida, não há na sociedade grupo mais preparado e profissionalmente encorajado para viver fora.

Faz pouco tempo, o Itamaraty começou a editar uma brochura com os endereços dos diplomatas aposentados. Tenho em mãos a edição de dezembro de 2.007. Tive a curiosidade de ir ver que colegas preferiram morar no exterior e qual o seu número. Tinha a ideia de que entre 20 e 40% teriam optado por viver fora; vários amigos, também diplomatas, que sondei a respeito, tinham estimativa equivalente. O resultado de minha pesquisa foi por isso inesperado e mostra que nós próprios compartilhamos o preconceito que nos desmerece como brasileiros. 

 

Dos 227 Embaixadores, Ministros e Conselheiros aposentados constantes na lista, 221 fixaram residência no Brasil, 6 no exterior (em 2.008, por motivos de ordem familiar, aumentei eu próprio esse número para 7). A proporção dos que moram fora é, pois, mínima. Não gosto da comparação, que ignora as diferenças de necessidades e motivação nos dois universos em cotejo, mas a proporção dos diplomatas que escolhem morar no exterior, uma vez aposentados, está razoavelmente próxima da que corresponde aos brasileiros em geral - estimados em 3 milhões residentes fora, ou sejam, 1,57% da população total de 190 milhões de habitantes.

O preconceito do diplomata alienado é difícil de desfazer - e nada fácil de engolir. Pois o diplomata brasileiro é um eterno saudoso da Pátria. Como no lema de Rio Branco, Ubique Patria Memor – “onde quer que esteja, terei a Pátria sempre presente”. Ou como nas palavras de Vinicius de Moraes, o poeta, compositor e diplomata de carreira, numa carta a Antonio Carlos Jobim, escrita num “quarto de hotel no Havre, que dá para uma praça e toda a solidão do mundo”, saudoso e melancólico mas irredutível quanto a suas raízes: “...o Brasil é uma paixão permanente em minha vida de constante exilado”. 

O Ministro Abreu Sodré escreveu certa vez um artigo que pode ajudar na compreensão das peculiaridades das obrigações do diplomata, bem como o drama da distância e de sua vida peripatética, inconstante. 

“O diplomata está sujeito a tensões únicas, a desgastes severos, itinerante sem ser nômade, alternando funções e lugares, desafiado repetidamente não só para o novo, estimulante, mas também para o inesperado, às vezes desconcertante”. 

Contudo, “nem por ter, de ofício, o dever inelutável de percorrer o mundo, pode o diplomata tornar-se cidadão do mundo. Apesar de distâncias e ausências, ele precisa conservar sua identidade e seus vínculos essenciais. Sintonizado a todo instante com a realidade de seu país, não terá a sorte daquele Embaixador que lamentava décadas inteiras de exílio a serviço da Pátria, no exterior, e, ao aposentar-se, o desterro em seu dizer mais penoso – o exílio em sua própria terra”.

Segue Sodré: 

“Mais do que sintonizado, cabe ao diplomata ser coerente com seu país, para bem servi-lo e fielmente representá-lo; (...) Além de preservar as raízes próprias em seu compulsório vagar pelo mundo, não pode o diplomata renunciar a ver e interpretar esse mundo, invariavelmente, pelo prisma de suas origens...”

E mais, em reconhecimento do Ministro aos percalços de um ofício singular:  

“Por ser a transitoriedade uma faceta constante de sua vida, do diplomata se reclama uma sucessão de conquistas. Sucessivas conquistas e também, de outro ângulo, sucessivas perdas. Sua obra é, na verdade, um permanente recomeçar e um relutante concluir. Quando o desempenho da função alcança estágio maduro, produzindo resultados, vencidas as fases de iniciação e ajustamento, vem a hora de mudar. O desafio, repetidamente imposto ao diplomata, é o de integrar-se, como se fora para sempre, em uma função de duração nem sempre previsível. O enriquecimento inegável, resultante de tal exercício e da interação contínua com povos e culturas diversos, é pago com interrupções intempestivas, inadaptações (...) e frustrações a exigirem uma disciplina por vezes heróica... O diplomata sabe que lhe cabe estar invariavelmente preparado para novas missões, como na lenda de Sísifo, o rei de Corinto condenado a empurrar eternamente, encosta acima, a pedra que por ela sempre despencava, ao atingir o cume”.

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