Se calló FHC?

Nota de topo de página:  Estava pronto este texto quando topei  com  registro do mesmo episódio no esplêndido livro do colega Embaixador Rubens Barbosa, “O Dissenso de Washington”.  As versões se aproximam; a minha veio de muito boa fonte: o próprio FHC!  De qualquer maneira, a essência é a mesma e o caso tem substância e graça  bastantes para comportar diferentes narrativas... Informei o Rubens e este, cooperativo como sempre, aquiesceu na duplicata - até lhe aduzindo um esclarecimento, que de imediato juntei ao texto original, abaixo. 

Bush II decide ir à reunião de países americanos no Canadá. Primeira participação sua em certame internacional. Gente de Washington, amiga da América Latina, procura informalmente o então Presidente Fernando Henrique Cardoso e fala do quanto lhe custara convencer o novato Presidente a ir ao encontro, bem como de sua inquietação ante o risco de eventual fracasso daquela presença acabar comprometendo todo o esforço realizado para que o novo Governo tivesse uma atitude favorável em suas relações com o continente latino-americano. A maior preocupação estava na possibilidade de Hugo Chávez desencadear um ataque virulento contra os EUA e seu Presidente, que o constrangesse e embaraçasse publicamente – inibindo os desdobramentos favoráveis que se esperava de sua administração para com nossos países. Talvez Fernando Henrique pudesse explicar a situação a seu colega, e fazer com que ele se houvesse com moderação no encontro? 

Fernando Henrique se esquiva, claro que pouco inclinado a aceitar o arriscado papel de tutor de Presidente – e por conta dos EUA! Mas colegas Presidentes da América Latina o chamam, talvez reagindo a gestões inquietas da mesma gente amiga/interessada  de Washington, renovando o apelo, para o bem do Continente, e lembrando o quanto Chávez queria e respeitava o brasileiro, a quem chamava “Mi Maestro”. 

Munido desse mandato informal, Fernando Henrique acabou encontrando uma ocasião para mencionar ao venezuelano a inquietação dos colegas latino-americanos. Chávez reconhece prontamente a procedência da preocupação geral. E se explica e justifica: quando fala na frente dos gringos, ante as ignomínias e a hipocrisia do imperialismo sua indignação sobe à cabeça, não sabe como conter-se, não sabe como e quando terminar. Mas aí lhe ocorre uma solução: talvez “mi Maestro” pudesse ajudá-lo, advertindo-o discretamente para quando estivesse se excedendo e devesse moderar. Combinaram então um sinal de alerta de Fernando Henrique; por sugestão de Chávez, inspirado em posturas que vira nas reuniões da OPEP, as mãos juntas, em atitude de prece, um aceno de cabeça, para cima, para baixo, para cima... 

Um arranjo presidencial discreto, uma afetuosa conspiração a dois.

Veio o dia da reunião. Fernando Henrique, em função da precedência alfabética, fala antes. E resolve deixar bem clara sua posição com respeito à ALCA que os americanos queriam impor-nos, assinalando uma a uma, vigorosamente, as exigências mínimas a fim de que a iniciativa pudesse justificar-se para o Brasil - com elegância de gestos e palavras mas com eloquência veemente e incisiva,  um toque mesmo de irritação.  A meio do discurso, nota um movimento peculiar, anômalo, no plenário presidencial. Foca os olhos e vê Chávez, muito circunspecto, as mãos justapostas em posição de amém e balançando a cabeça, lentamente - para cima, para baixo, para cima...

Cállate,  Maestro... 

Essa história me foi contada. Esqueci de perguntar se o Presidente brasileiro seguiu no mesmo tom e ritmo ou de alguma maneira atentou à advertência amiga, embora imprevista,  de seu parceiro na conspiração virada pelo avesso.

 

Acrescento, assinado pelo colega Embaixador (Londres! Washington!) e amigo Rubens Barbosa: "FHC não atenuou sua manifestação, condicionando o apoio do Brasil a uma série de questões apontadas no discurso que pronunciou". 

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