O ESTADO DE S. PAULO
SÁBADO, 5 DE JULHO DE 2025
ESPAÇO ABERTO
O dilema entre poder e justiça
Sérgio E. Moreira Lima
O primeiro-ministro de Israel anunciou uma “vitória histórica” no confronto com seu maior adversário, a República Islâmica do Irã. Netanyahu persuadiu o governo dos Estados Unidos a dar-lhe apoio político e militar total. Esse desdobramento, somado aos avanços da inteligência e da tecnologia do aparato militar e de segurança do Estado, sugere que ele pode estar a caminho de uma posição de supremacia regional. Trata-se de um desfecho de alto custo político para o futuro do Oriente Médio. A questão que se coloca é a dos princípios e valores que orientaram esse possível desfecho.
Uma nova perspectiva implica, necessariamente, o abandono do fundamentalismo, da intolerância, do preconceito, do medo, propondo uma nova atitude humanitária e inclusiva em relação ao povo. A criação de condições para o reconhecimento mútuo de dois Estados é o caminho da justiça. A história da Organização das Nações Unidas (ONU) de partilha da Palestina para formação de dois Estados: um judeu e outro árabe. Oswaldo Aranha, que fora Embaixador do Brasil em Washington e Ministro das Relações Exteriores, teve papel decisivo, em 1947, na presidência dessa histórica Assembleia Geral da ONU, que aprovou o Plano de Partilha daquele território, administrado pela Grã-Bretanha. Os grandes partidos políticos que se originaram do movimento sionista em Israel a partir da declaração de Independência, como o Trabalho (Mapai), o Herut e, mais tarde, em 1973, o Likud, mantiveram, de forma frequente, a busca de um acordo para a formação de dois Estados.
O Brasil, coerente com essa posição desde 1947, tem em sua atuação no Oriente Médio e seus assentamentos geopolíticos, a defesa da paz e da justiça. Com os nomes que marcaram a história de Israel, como Herzl, Ben Gurion, Weizman, Manachem Begin, Rabin e Shimon Peres, entre outros, convivem os valores do Estado Democrático com os ideais de desenvolvimento sustentável, de justiça social, de valorização do trabalho, com ciência, tecnologia e inovação, com a excelência de serviços e em áreas agrícolas, com os kibutzim e em centros de pesquisas de alta tecnologia. Como demonstrou o Brasil em 2000, tornou-se o primeiro país com que o Mercosul negociou um acordo de livre-comércio, com importante componente científico-tecnológico e de investimentos, em 2007. Naquela época, o então primeiro-ministro Ariel Sharon, ex-líder do Likud, fundou o partido Kadima, movimento para o centro do espectro político e retirou os colonos israelenses da Faixa de Gaza. Foi com esse país que o Brasil, em 2005, firmou o Acordo de Consultas bilaterais, que inaugurou um mecanismo de diálogo diplomático de alto nível e cooperação importante em assuntos estratégicos. O Brasil orgulha-se de sua contribuição à diáspora de judeus na formação do povo brasileiro, e de presença de uma comunidade expressiva brasileira nos países do Oriente Médio. O Brasil preza o convívio harmônico e respeitoso e acredita na solução realista e árabe no Pós-Guerra do Líbano com Israel.
O extremismo terrorista religioso permanece à espreita, pronto para agir, rondar os corações e mentes juvenis, alimentado pela violência, miséria e frustração. Não há espaço para um Estado democrático de direito sem o respeito à dignidade humana e às conquistas sociais, com ética e responsabilidade. O dilema entre poder e justiça coloca em evidência os riscos da radicalização. As gerações de palestinos têm sido negado o que a comunidade internacional reconhece mais e mais: um Estado próprio em que exerça sua jurisdição e tenha fronteiras que representem sua soberania.
O Estado Palestino será o maior antídoto à violência regional, à existência de grupos militantes em busca de uma causa, o ponto final ao conflito israelo-palestino
O Estado Palestino será o maior antídoto à violência regional, à existência de grupos militantes em busca de uma causa, o ponto final ao conflito israelo-palestino. Um Estado poderoso, que age com impunidade na ocupação de terras e na violação de direitos fundamentais, mina a autoridade do jus gentium. Este é o arcabouço moral universal da legalidade da humanidade, que se forma na evolução histórica das sociedades. O que não é justo, não é moral e não pode ser legal. O dilema entre poder e justiça nos chama à razão e à consciência do futuro.
Como disse o Prêmio Nobel da Paz e ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, “não haverá paz sem justiça”. É um caminho longo, árduo, mas necessário à segurança de todos. Não há democracia sem igualdade, liberdade e paz. Esse é o desafio do século XXI. Um projeto de Estado de bem-estar, voltado à sua população e à sua família, é o futuro que todos desejam. É a utopia possível.