Vera Cíntia Alvarez
Porto Alegre, Brasil, 15 de fevereiro de 1955.
A filosofia, a História, a Antropologia, a Geopolítica, a Diplomacia, a arte e a espiritualidade são os temas da minha formação e da minha constituição como pessoa, e é isso o que me interessa tanto como profissional da diplomacia, quanto como artista. Cursei Filosofia na USP, com ênfase em filosofia Política e Estética.
A pintura me acompanha desde criança, mas foi na China, quando fui transferida como terceira-secretária da carreira diplomática para Pequim, em 1989, que senti não ser mais possível ficar apenas brincando com aquarelas, sem empreender algo mais profundo. Um mestre chinês que contratei para me ensinar a elegante caligrafia chinesa, Zhang Dichen, me estimulou a persistir e a aprender a pintar. Dizia que eu tinha ¨uma mão¨ melhor do que muitos de seus alunos de pintura na universidade onde dava aulas, e que deveria continuar. O mestre escreveu diversos bilhetes em mandarim, que um dia mandei traduzir: ¨Demita-se logo da profissão de burocrata. Você deverá continuar a estudar e a pintar, por anos e décadas, com persistência e paixão, e assim poderá realizar-se como artista, o que não tem preço¨.
Por certo que não atendi à primeira recomendação do mestre mas achei muita coincidência que, apesar de ter pedido postos multilaterais de muito trabalho e empenho, fui indicada para servir em Roma, como Cônsul-adjunta, no Palácio Pamphili, na Piazza Navona, a poucos passos de Caravaggios e Rafaellos deslumbrantes, igrejas, galerias, museus, bibliotecas e lojas de arte. Em Roma comecei a pintar seriamente, em óleo e em grandes formatos. Realizei minha primeira exposição na Galeria Dei Serpenti, em 1994: “O Brasil dos Carapintadas”, com alusões explícitas ao momento político pelo qual o Brasil passava, com o processo de impeachment de um presidente, em meio a passeatas da juventude, que lembravam minha vida estudantil em São Paulo. Os rostos pintados eram como uma superfície de resistência em um cruzamento bem brasileiro de pintura corporal indígena, pintura de carnaval, pintura dos grupos musicais que despontavam, como Olodum e Timbalada, e pintura de protesto. A exposição foi prorrogada devido à grande recepção do público, sobretudo brasileiro. De lá segui para a Irlanda, para cobrir o setor político da Embaixada do Brasil em Dublin. A Irlanda foi um momento de soltar o pincel, libertar a mão e torná-la mais ousada, ao mesmo tempo em que fiz cursos interessantes de história da arte, desenho e pintura clássica na universidade local.
Novamente no Brasil, em 1999, no meu retorno da primeira grande rodada de dez anos de serviço no exterior, realizei outra exposição, a convite da Secretaria de Cultura do DF, na emblemática Sala Athos Bulcão do Teatro Nacional, com o título “Mulheres, véus e oceanos”. A mostra era uma indagação visual sobre a condição feminina e o feminismo.
Nesse período, trabalhei longos anos em Brasília, a cargo dos megaeventos esportivos internacionais que o Brasil sediou na chamada ¨Década do Esporte¨, sempre estudando e pintando em meu tempo livre.
No trabalho, fui promovida a Ministra de Primeira Classe em 2014, e tive a oportunidade de servir em um dos mais belos países da América Central: a Guatemala, em 2019. O país inspirou um conjunto de pinturas sobre a parte mais vulnerável, mas também a mais significativa daquele país: a população descendente da antiga civilização Maya, manancial extraordinário da diversidade cultural humana. As cores intensas e surpreendentes e a cosmogonia de enorme singularidade da Guatemala, pintados por uma brasileira, suscitaram convites para montar a exposição Guatemaya Sublime, no Centro Cultural da Embaixada do México na Guatemala, em 2022. Com a mostra, busquei transmitir a mensagem de assombro e conexão, respeito à diversidade cultural e aos conhecimentos dos povos originários.
Na Espanha, desde janeiro de 2023, desenvolvo um trabalho na pintura sensível ao entorno e centrado no vínculo histórico, simbólico e afetivo com a América Latina, uma relação que, até chegar aqui, observava à distância, mas que aqui cobrou uma importância capital para entender melhor o próprio Brasil, e traduzir em imagens o que as palavras não alcançam.
Finalmente, meu objetivo como pintora e artista, dublê de diplomata, é fazer de cada imagem que projeto e pinto uma obra conectada com as tensões contemporâneas da política, do migrante, do vulnerável, da reação íntima e emocional dos indivíduos a um mundo em transição, a fim de fazer, de cada quadro, uma celebração de um humanismo de raiz iluminista e poética, que aponta para a única forma de vivermos com dignidade, respeito mútuo e sustentabilidade no futuro.